Olhe ao seu redor. Esfregue os seus gravetos mentais e acenda um fogo. Acorde o macaquinho do sótom-mental. Eles estão lá, estão por toda a parte, e sustentam o seu mundo. É só ver. O que eles significam? Pra mim? Hum... bem... o que eles significam para você? Veja, simplesmente veja-os. Afinal, as maiores viagens também começaram com um único passo.

domingo, maio 29, 2005

Um conto de solidão e lua cheia

Naquele dia o pôr-do-sol parecia diferente. Não que ele estivesse mais vermelho do que o normal, ou que o vento estivesse soprando mais frio. Era a sensação. O sol parecia estar indo em direção a batalha final de uma guerra suicida e nunca mais fosse aparecer de novo. Ela sentia como se nunca fosse ver o pôr-do-sol de novo. E naquela noite as horas que precedem o aparecimento da lua lhe pareceram mais angustiantes e solitárias do que nunca. Mas ela não se rendeu ao arrepio de medo que aquela sensação lhe causava. Ficou no terraço, em pé e sozinha como sempre, a espera da claridade leitosa da lua que lhe faria ver até onde a vista alcançava. Esperou e esperou, e a lua não vinha. Não poderia ser uma noite de lua nova, a cada dia a lua aparecia maior e mais brilhante no céu, e hoje ele estava especialmente limpo e estrelado, como se tivesse se enfeitado com suas estrelas mais brilhantes a espera de alguma coisa importante que fosse acontecer.
Enquanto esperava pela lua, ela se enrolou mais no longo chale para se proteger do vento gelado que soprava incessantemente. E começou a lembrar de como passara momentos felizes nos campos que se extendiam lá em baixo, além do grande jardim que sempre lha parecera tão opressor, com suas cercas vivas em formas tão definidas e artificiais. Se eu fosse uma planta, pensava ela, jamais deixaria que fizessem algo assim comigo, eu cresceria forte e indomada como o grande carvalho perto do portão.
E ela crescera como o carvalho. Nunca deixou que os padres e professores dominassem sua mente livre, nem que a rígida educação imposta pela sua família a impedisse de seguir seus impulsos. Temos que zelar pela reputação do clã, diziam todos quando davam por sua falta e ela havia fugido para longe. Mas ela não era nem ao menos a herdeira do legado, era só a mais nova das quatro irmãs. Não havia nada de especial que esperassem que ela fizesse. E ela passava os dias vivendo a vida em toda sua plenitude. Cavalgava com a velocidade do vento o grande garanhão negro, passava horas lendo seus amados livros sentada nos galhos mais altos das suas árvores favoritas, aquelas no meio do bosque que só ela e os caçadores conhecem. Mergulhava no fundo do lago da cachoeira, não tinha o menor receio de levar seus amantes para passar uma temporada com ela, e sempre paticipava das grandes festas, aquelas regadas a muita música e absinto.
Mas tudo isso não a satisfazia. Ela buscava cada vez mais, cada vez os prazeres da vida em uma intensidade maior, mas tudo isso nunca era o suficiente. Sempre faltava alguma coisa, a felicidade era só momentânea e depois só restava um vazio. Ela não acreditava no amor, para ela isso não passava de um vício, uma dependência psicológica. A vida sempre lhe pareceu uma grande mentira, uma encenação na qual nem todos os atores sabem que estão numa peça.
E era nisso que elam pensava agora, enquanto olhava para o horizonte esperando a lua aparecer no céu. A grande farsa que sua vida lhe aprecia. Agora, que ninguém mais parecia notar a sua ausência, que ninguém mais brigava com ela, que os professores não tinham mais nada a ensinar e tinham todos ido embora, sua vida não tinha mais graça. A transgressão não tinha mais sentido. Tudo que ela fazia agora era passar o dia em seu quarto, para sair e ficar no terraço, desde o pôr-do-sol até a aurora, admirando a luz da lua, o vôo dos pássaros e dos morcegos, a sombra dos lobos passando através das árvores, e lembrando dos breves momentos em que achou que era feliz e das pessoas que gostava, e dos seus amores farsantes que povoam as lembranças de sua vida. Ela não tinha nem vinte anos, mas sempre que ficava revendo sua vida as lembranças pareciam estar cada vez mais longe, como se aquela época feliz tivesse ocorrido há muito tempo atrás. O que terá acontecido com o garanhão negro? Com seus amigos e suas grandes festas? Seus amantes nunca mais lhe procuraram... Às vezes tinha a impressão de ouvir um deles chamando ao longe, mas não conseguia entender o que diziam. Por fim a lua apareceu no céu. Cheia, redonda e linda, como sempre. Tão linda que ela até ficou emocionada. Sentia o breve conforto das lágrimas que o vento incessante logo levava embora. E foi entre as lágrimas que ela viu dois vultos negros atravessando o jardim. Não os conhecia, mas pelas roupas pareciam ser dois padres. Muito estranho, pensou ela, há muito tempo que os padres não aparecem por aqui, e normalmente eles vinham no domingo, mas nunca de noite. E ela não gostava dos padres, nem de nenhum cristão. Para ela, eles acreditavam na farsa da vida mais cegamente do que o normal. Ela prefiria os deuses da natureza, que condiziam com seu espírito livre e a vida plena. Para ela essa era a verdadeira santidade. E as duas figuras caminhavam em direção a casa, finalmente chegando na porta. Ela estranhou o fato de não ouvir a campainha que normalmente ecoava por toda a casa, mas provavelmente eles estavam sendo aguardados. Não ouviu nenhuma saudação, nem os passos apressados da criadagem em direção a cozinha para preparar algo para os visitantes... Só ouvia passos subindo em direção ao terraço onde estava. Eles não haviam sido avisados de que ela não gostava de ser perturdaba, especialmente quando era noite de lua cheia?? A raiva crescia dentro dela, e ela parecia que não ia conseguir se controlar. Até que os dois padres alcançaram o terraço, e entraram com suas cruzes douradas em punho como se fossem escudos. Ela não entendia nada, aquelas duas figuras dindo agressivamente em sua direção, recitando velhar orações no latim que ela dominava tão bem. As orações falavam de almas penadas, no descanso eterno, em exorcismo. Ela não entendia a razão disso tudo... Eram para ela? E de repente tudo começou a fazer sentido. Porquel ela não saía mais, porque não pareciam notar a sua ausência ou querer a sua presença, porque ninguém mais a procurava. Ela havia morrido. E agora tentava se concentrar nas suas lembranças, tentando lembrar de como e onde isso aconteceu. Mas as orações eram muito fortes, e ditas muito altas. Ela só queria sair dali, ir para algum lugar onde conseguisse parar e pensar em paz em como tudo isso aconteceu. Então ela correu, correu, correu até onde as orações não mais a alcançariam, e percebei que tinha chegado no portão, onde fica o grande carvalho. E ela percebeu algo que nunca havia visto antes. Ao lado da árvore, no lado oposto ao que fica perto do portão havia um túmulo. E na lápide havia escrito seu nome e a data, muitos anos atrás. Nesse túmulo, agora ela sabia, poderia encontrar a paz que precisava para se lembrar de como tudo aconteceu, e foi para lá que ela se dirigiu. E lá ficou, imersa em seus pensamentos e lembranças, totalmente alheia ao tempo. Até que uma vez ouviu uma voz:
_ Oi... Que bom que você está aí agora. Eu sei que você vai sentir falta das noites de lua e do visual do terraço, mas pelo menos agora eu sei que vovê vai ouvir tudo que eu tenho a dizer, e que eu tenho esperado para dizer por todo esse tempo. Sempre soube que os fantasmas não lembrar da hora da morte, mas eu queria te contar como tudo aconteceu, pois foi o dia mais feliz e mais triste da minha vida. Você lembra das noites que passávamos no bosque perto do lago da cachoeira? Acho que sim. Pois foi em uma noite dessas que tudo aconteceu. Nós tínhamos ido a uma das gloriosas festas que aquele casal francês sempre promovia, e eles nos deram de presente uma garrafa de absinto daquela marca que você adora. E você me chamou para bebermos juntos ali perto do lago. Chegamos lá ainda de noite, e ficamos juntos como sempre fazíamos. E você me dizia que eu era seu amante favorito, o mais querido de todos os seus amores farsantes. Mas eu sabia que naquela época eu era seu único amante, e nosso amos não era uma farsa. A garrafa acabou, e nós continuamos juntos, até que acabamos dormindo abraçados, embaixo de uma daquelas árvores que você adorava escalar. Dormimos o dia todo, mas ninguém veio a sua procura, pois ninguém sabia que você havia retornado. Acordei em seus braços com o sol se pondo, e você chorava. Perguntei o que havia acontecido e senti seu sangue. Você havia cortado o pulso, e o sangue agora encharcava a terra. Perguntei por que você havia feito isso, e você respondeu que me amava, que nunca iria me esquecer, que havia descoberto estar grávida e abortado duas vezes, e não poderia suportar perder mais uma vez o prêmio máximo da nossa união. Você começou a ficar fria, e assim que o sol sumiu senti seu último beijo e você se foi. Desde esse dia, eu venho até aqui em todas as noites de lua cheia tentar lhe dizer o quanto eu te amava e o quanto sinto sua falta, que só a sua presença me bastaria, mesmo sem termos filhos. Mas no fundo eu sabia que você não estava aqui, então não me ouviria. Agora que eu sinto que meu tempo aqui está no fim, chamei aqueles dois padres, lhes contei a minha situação e eles ficaram de me ajudar a trazer-lhe até aqui. Me sinto culpado por privá-la da luz da lua, mas agora saberei onde te encontrar quando chegar a minha hora....
De repente as palavras silenciaram, e ela ouviu alguma coisa caindo na terra perto do túmulo. Então ela sentiu. Os braços que ela tanto amava e a visão do rosto que tanto sentia falta. Então ela não sentiu mais frio, e a sua volta não haviam mais as duras pedras do sepulcro. Havia apenas luz.

3 comentários:

Bahia disse...

Nossa Júlia, vc definitivamente se superou!! Céus esse conto é MARAVILHOSO ! Me deleitei devorando cada frase do texto menina...

Curioso que eu de certa maneira penso um pouco igual essa mulher, vejo a felicidade como algo realmente momentâneo, e pra mim a gente só encontra a felicidade fazendo esses momentos durarem. Só que no meu caso tento não fazer isso da forma "descartável" como a mulher faz, a gente pode fazer esses momentos frutificarem junto conosco!

Hahaha, e adorei o texto sobre a comida chinesa... eu também adoro, e ainda bem que acabei de jantar, pois assim nem fiquei com água na boca! :-P Aqui na Rua Afonso Pena tem um restaurante chinês chamado Chinatown que é excelente, um dos meus favoritos. Sempre me empaturro de Chop Suey de legumes quando vou lá :) O único problema é que o molho shoyu deles deixa a gente completamente embriagado horas depois! É impressionante, não sei o que é, mas todo mundo que almoça fica "todo lerdo" depois! Hehehe

Aaaahhh desculpa pelo sumiço menina! A coisa anda feia por aqui, ultimamente tenho dormido menos de 5 horas por noite em média! Muito tempo mesmo que não visito seu reino! Será que ainda sou bem vindo? Ou seus súditos da alfândega vão me barrar na entrada? Ah, acho que ainda não fui no Consulado de Cartas tirar o meu visto...

Grande beijo Júlia!

Marcelo

Bahia disse...

Ah, e muito legal que vc está querendo se "bandear" para esse lado chinês! A alimentação macrobiótica é baseada justamente no equilíbrio Yie e Yang...
E também pratico meditação quase todos os dias antes de dormir, vale muito a pena, se puder pratique mesmo, seu corpo e sua cabeça ficam leves como uma pena... e fazendo antes de dormir vc acaba dormindo feito uma pedra!

Anônimo disse...

oi ju...td bom?? Desculpe naum ter comentado antes no blog, eu eskeci msm..rs. Mto do q eu tinha q dizer meu amigo( de comentario) Bahia jah disse aí em cima...seu texto tah mto bom!! Parecia akeles contos mencionados em livro didaticos escritos por autores famosos ( sei q a comparação eh um pouko exagerada...mas vale..rsrs).Conhecendo vc como eu te conheço... sei q se inspirou em vc msma p personagem ( tirando a morte...hehe). Vc como eu jah disse tem mta facilidade pra tais coisas....coisa q eu queria ter...sempre sonhei em fazer minha propria historia, com meus personagens...ser a "minha" historia, porem naum levo mto jeito p coisa...rs Bom eh isso...naum vo mais ocupar seu tempo com meu papo furado...e vou finalizando...
Um abração, Bruno

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