Antes, todo mundo queria beijar na boca. Os jovens, os adolescentes, os pré-adolescentes, as crianças. Todo mundo queria beijar e todo mundo beijava. Tribalisticamente, eu sou de minguém, eu sou de todo mundo e todo mundo me quer bem. O amor era livre, 4 décadas depois de ele ter sido livre de verdade. E o livre virou o libertino, e as pessoas esqueceram o que era a verdadeira liberdade. Esqueceram de tudo que a liberdade requer e tudo que é preciso para mantê-la verdadeiramente livre depois que um tempo passa. E beijar não era mais o suficiente. Tal como uma droga, era preciso mais e mais, doses cada vez maiores, e de coisas maiores. E as pessoas cantaram juntas que beijo na boca é coisa do passado, a moda agora é namorar pelado. E um arrepio muito humano percorreu a minha espinha: agora o sexo que é a moda? Mas a música tocou muito antes da ploclamação virar contatação. Era apenas um caso isolado ou outro, coisa de homem galinha. E essa infecção social continuou, e ser precoce virou a regra. Agora, ser um pseudo-bandido, pseudo-rico, pseudo-boêmio, pseudo-bem-sucedido, pseudo-sedutor, pseudo-homem aos 14, aos 16 anos é a regra, é o que todos querem ser. Imitações de um estilo de vida com regras, condutas, músicas, grifes, vocabulário, gestos própios, e nenhum futuro. Para eles há apenas o presente, uma mulher para uma noite apenas, ao som de músicas baratas feitas por e para bandidos de verdade, para libertinos de verdade. Mas para os imitadores há apenas uma divina trindade, o hedonismo, seus órgãos sexuais e a ressaca certa na manhã seguinte. Nenhuma perspectiva além da ressaca da manhã seguinte ou a do próximo fim de semana, o próximo feriado, a do carnaval, nenhuma vida entre as datas comemorativas. E nada depois. A auto-destruição virou um hábito ignorado, antes mesmo que eles soubessem o que é se auto-destuir e o que acontece em seguida.
E quem não é isso acaba seguindo um caminho igualmente tortuoso, vai buscar no cinza gelado do norte da longínqua Europa alguma forma de ser muito diferente disso tudo. E acabam virando outra multidão de pseudo-intelectualizados, pseudo-alternativos, pseudo-atormentados, pseudo-deprimidos, pseudo-byronianos resgatando um mal do século do qual eles nunca ouviram falar. E ouvem bandas finlandesas e acham que cultuar a Deusa e negar Deus é a solução para seus problemas, acham que ser contrário é ser revolucionário, acham que em suas roupas pretas e ma maquiagem pesada está contido o respeito e as respostas das quais precisam.
Sobra o que?
E eu nem estou tão distante assim destas multidões, apenas fiz uma única curva a mais na estrada da vida que todos trilham. O que aconteceu no caminho atrás de mim para tudo ser assim tão diferente? Tenho medo de olhar para trás e descobrir por mim mesma. Eu não quero nada disso para mim, espero que não seja contagioso. E como estará esta mesma estrada quando os meus filhos forem passar por ela? Haverá alguma trilha para ser seguida entre as latas de cerveja vazia e as camisinhas usadas?
E se não houver?I am the son
and the heir
of a shyness that is criminally vulgar
I am the son and the heir
of nothing in particular
- The Smiths
Amanhã é um novo dia. Mais um dia para além da linha onde havia alguma esperança de salvação.