A noite estava quente e a sala tornou-se subitamente insuportável _ coincidindo com o DJ tocando a primeiríssima nota da festa daquela noite, nenhuma ironia. Na varanda a música eletrônica misturava-se ao barulho do mar em frente, isso eu podia suportar, apesar da maresia misturada ao suor grudando na minha pele. Além de mim, naquela varanda haviam mais três pessoas, mas eles estavam muito entretidos na sua sexualidade poser para me perceber ali quieto e alheio à festa que acontecia na minha própia casa. Respirei fundo _ se alguém ali tinha o direito de quebrar o dress code era eu mesmo _ e tirei a máscara que fervia no meu rosto.
A idéia de uma festa à fantasia nunca me animou, mas confesso que criar a fantasia foi bem divertido. Aproveitei a oportunidade para homenagear a minha heroína trágica favorita: Ofélia. Mas ela não merecia ser caricaturada na drag que um homem vestido de mulher facilmente parece, ela merecia estilo e cuidado. Uma camisa larga de uma gaze bordada bem fluida, uma calça preta justa, botas. Meu moicano característico seria feito com um gel de “efeito molhado” numa alusão à morte por afogamento da pobre Ofélia _ ah, doce menina, se ela soubesse da verdade a sua história poderia ter sido diferente? Quanto ao rosto, seria uma máscara como aquelas do teatro japonês, cobrindo tanto o rosto quanto a alma do ator por trás dela. Gostei muito do resultado final, mas na hora H eu preferia estar em qualquer lugar desde que fosse longe daquelas pessoas e suas onipresentes vitrines invisíveis.
No início da noite meu apartamento parecia a ilustração de um cabaré moderno, tudo muito sofisticado. Mas nada que um verão tropical regado ao absinto já tradicional na minha casa _ carinhosamente apelidado de soma _, não pudesse transformar ao longo do primeiro par de horas. E o ar condicionado carregado de cigarro como um pub inglês tornou-se elétrico com uma tensão em T maiúsculo. Foi nesse momento em que eu não agüentei mais aquele teatro todo e retirei-me com a minha Ofélia para a varanda.
Eu respirei fundo e tirei a máscara: Ofélia se foi. E no exato momento em que aquela casca vazia caiu no chão eu ouvi um leve rangido um pouco mais atrás. Era a minha rede, um item de mobiliário obrigatório em qualquer casa brasileira, e obviamente aquele sentado nela era uma presença inédita em minha casa: todos os habitués eram europeizados demais para prestar atenção em algo tão indígena quanto uma simples rede na varanda. Virei o rosto e procurei seus olhos.
Quantos parafusos?
Olhe ao seu redor. Esfregue os seus gravetos mentais e acenda um fogo. Acorde o macaquinho do sótom-mental. Eles estão lá, estão por toda a parte, e sustentam o seu mundo. É só ver. O que eles significam? Pra mim? Hum... bem... o que eles significam para você? Veja, simplesmente veja-os. Afinal, as maiores viagens também começaram com um único passo.
quinta-feira, abril 02, 2009
quinta-feira, março 26, 2009
Fotos
Marin me ensinou tudo que eu sei. Mas dizer isso a alguém era como dizer que eu fizera contato um espírito vindo do além. Ninguém a conhecia por esse nome. Todos só a chamavam de Einar, era como ela se apresentava ao mundo, e às pessoas do mundo. Einar não era nem um nome de menina, mas era nórdico e às vezes ela gostava de se sentir como uma Valquíria. Mas para mim ela seria sempre Marin, Marin, Marin, ecoando nos meus ouvidos como o mar e suas ondas vindas do horizonte. Marin, Marin, Marin, eu ficava repetindo esse nome para o quarto escuro enquanto ela dormia com a cabeça no meu colo e o corpo semi-oculto pelos lençóis em cuja cor eu nunca prestei atenção. Marin, Marin, Marin, eu repetia até meus ouvidos ignorassem todos os sons e aprendessem a ouvir o eco que a escuridão produzia. Marin... Até que ela acordava, não por eu estar falando, mas algo nela se inquietava quando havia alguém a olhando dormir, mesmo que no escuro só se pudesse ver a linha de luz que o poste projetava através do espaço entre a cortina e a janela manchada de chuva escorrendo. Quando chovia eu sempre estava ali naquele quarto com ela. Mesmo que estivesse do outro lado da rua ou do outro lado do mundo, mesmo que fosse de dia, mesmo que o dia parecesse tão longo que o sol parecesse ter perdido o caminho para o horizonte. Eu sempre estava ali. E ela acordava e me dizia “Ei”, e o seu sono dava um jeito de me dizer para deixar de ser boba e ir dormir também.
To be continued.... somewhere else ;)
To be continued.... somewhere else ;)
segunda-feira, março 23, 2009
terça-feira, dezembro 30, 2008
Tears in Heaven
Ela nem via o corredor por onde andava rapidamente. Chegou ao assento que lhe indicaram e se jogou pesadamente, nem se preocupando com a bagagem que deveria ser guardada no compartimento logo acima.
As lágrimas não permitiam que fizesse muita coisa. Agradeceu aos céus por ter lembrado na última hora de colocar um lenço no bolso, mesmo ele estando fadado a tornar-se encharcado e inútil em breves minutos.
_ Are you ok, little girl?
No meio segundo entre uma lágrima e a seguinte ela olhou para o lado e viu que não estava sozinha. Corou, "the blush of your cheeks is lovely", uma frase de um livro de que ela sempre se lembrava nesses momentos. Era um homem bem mais velho, britânico pelo sotaque e pelas roupas, quase um personagem saído de algum livro ou filme, o perfeito estereotipo. Pelo terno de tweed ele poderia ser um membro da Talamasca, ou o Professor Jones Sr, ou Sherlock Holmes, ou Lawrence Stratford, ou todos eles.
_ Yes. I'm actually very.. very happy, sir.
Ela soluçava. E naquela hora, nada nesse mundo a fariam lembrar de sob, palavra comum que ela conhecia bem.
_ Happy? But you look so sad...
_ I'm not sad. I'm very happy because I'm leaving.
sexta-feira, setembro 12, 2008
Felicidade nas pequenas coisas
(...)
There are twenty years to go
a golden age I know
but all will pass
will end too fast, you know
There are twenty years to go
and many friends I hope
though some may hold the rose
some hold the rope
And that's the end and that's the start of it
that's the whole and that's the part of it
that's the high and that's the heart of it
that's the long and that's the short of it
that's the best and that's the test in it
that's the doubt, the doubt, trust in it
that's the sight and that's the sound of it
that's the gift and that's the trick in it
You're the truth, not I.
(song: Twenty Years _ Placebo
photo: from the film Blindness _ Fernando Meirelles)
segunda-feira, setembro 08, 2008
The Inner Bitch _ intro
...e Bidget Jones diz:
After Jude had gone _ because she has to get up at 5:45 to do go the gym and see her personal shopper before work starts at 8:30 (mad) _ Sharon and I suddenly were filled with remorse and self-loathing fot not advising Jude simply to get rid of Vile Richard because he was vile. But then, as Sharon pointed out, last time we did that they got back together and she told him everything we'd said in a fit of reconciliatory confession and now it it cripplingly embarrassing very time we see him and he thinks we are the Bitch Queens of Hell _ which, as Jude points out, is a misapprehension because, although we have discovered our Inner Bitches, we have not yet unlocked them.
domingo, setembro 07, 2008
Antíteses 01
Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras.
Sou formado em desencontros.
A sensatez me absurda.
Os delírios verbais me terapeutam.
Posso dar alegria ao esgoto (palavra aceita tudo).
(E sei que Baudelaire passou muitos meses tenso
porque não encontrava um título para os seus poemas. Um
título que harminizasse os seus conflitos. Até que apareceu
Flores do Mal. A beleza e a dor. Essa antítese o acalmou.)
As antíteses congraçam.
Sou formado em desencontros.
A sensatez me absurda.
Os delírios verbais me terapeutam.
Posso dar alegria ao esgoto (palavra aceita tudo).
(E sei que Baudelaire passou muitos meses tenso
porque não encontrava um título para os seus poemas. Um
título que harminizasse os seus conflitos. Até que apareceu
Flores do Mal. A beleza e a dor. Essa antítese o acalmou.)
As antíteses congraçam.
M.B.
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